2.3.06

Qual concorrência?

O ESTADO DE S. PAULO - 01/03/2006

Jose Fernandes Pauletti é Presidente da Associação Brasileira das Concessionárias de Serviço Telefônico Fixo Comutado (Abrafix).

A concorrência traz benefícios para os usuários e reduz custos. Esse mote é a bandeira dos defensores do Plano Geral de Metas de Competição (PGMC), que visa a estabelecer uma regulamentação específica para o incentivo à entrada de novas empresas de telefonia fixa. Cabe esclarecer que o incentivo à concorrência é desejável e pode ser uma ferramenta de democratização dos serviços, como já prevê a regulamentação em vigor. Falta aos que defendem propostas como essa a percepção de que os obstáculos existentes não são regulatórios, mas econômicos. O modelo adotado não pode ser a “concorrência pela concorrência”; deve ter sempre em vista o benefício de todos os usuários e em especial, numa sociedade desigual como a nossa, dos de menor renda.
O arcabouço regulatório brasileiro impôs desde o início medidas de incentivo ao estabelecimento e à manutenção da competição na prestação dos serviços de telecomunicações. Hoje qualquer empresa pode investir e competir em todo o território nacional com as telefônicas existentes. Para ter uma idéia, dezenas de operadoras já oferecem serviços telefônicos variados. E crescem as ofertas de serviços baseados na tecnologia de voz sobre IP (VoIP).
Mas, no cenário atual, o baixo retorno financeiro torna pouco interessante o investimento em mais de 95% do território nacional. As concessionárias, com a obrigatoriedade de universalização dos serviços, realizaram nos últimos anos grandes investimentos e hoje atendem a todos os 5.560 municípios brasileiros, independentemente de serem regiões lucrativas ou deficitárias. Já as empresas autorizatárias, que não têm as mesmas obrigações contratuais, focam seus investimentos em cerca de 200 municípios que representam os mercados e segmentos mais rentáveis. Essa concentração favorece uma competição predatória, em que as concessionárias podem perder a parcela de clientes lucrativos que financia e garante a continuidade do serviço universal, provido apenas por elas. Nesse caso, o modelo de incentivo incondicional à concorrência se mostra maléfico à maior parte da sociedade.
Dentro dessa linha de estímulo incondicional à concorrência, reinicia-se o lobby para adoção imediata da portabilidade numérica, que eliminaria um fator considerado barreira importante à mudança de prestadora. O que os defensores da portabilidade não dizem é que o grande atrativo dessa implementação, que motiva todo o lobby a respeito, é que ela requer uma grande estrutura de equipamentos e serviços. Nos Estados Unidos, país em que a portabilidade foi adotada, foram necessários investimentos da ordem de US$ 3,6 bilhões. O custo foi rateado entre todos os usuários do sistema telefônico, que tiveram um acréscimo temporário na tarifa mensal para viabilizar a portabilidade – independentemente de terem ou não interesse nisso. Cabe questionar se essa é a prioridade de investimento no Brasil, considerando quem, além dos fornecedores que eventualmente forem contratados para sua aplicação, se beneficiaria com a portabilidade. Haja vista as áreas em que se instalaram as autorizatárias, fica evidente que, sem o compromisso de universalização, as empresas só teriam interesse em oferecer vantagens para os mercados e segmentos mais lucrativos, com grande volume de chamadas. Nos Estados Unidos, segundo a Comissão Federal de Comunicações (FCC, na sigla em inglês), 15% das linhas haviam sido portadas até o ano passado, ou seja, todos pagaram para que apenas alguns usufruíssem os serviços. E lá, assim como ocorreria aqui, os beneficiários não são os segmentos menos favorecidos da sociedade.
No Brasil, é preciso cautela para que a portabilidade não venha a se converter em apenas mais um instrumento de aprofundamento da competição nas regiões mais lucrativas, beneficiando apenas os grandes consumidores e os fornecedores de equipamentos e serviços. Cabe assegurar que eventuais mudanças nas regras de competição levem em conta quais os segmentos que se beneficiarão das mudanças e quais arcarão com os custos, e se a relação custo-benefício é aceitável. Defendemos a posição de que, antes de ser aprofundada onde já existe, a competição precisa ser estendida a todo o País. Do contrário, ela só fará concentrar nas áreas mais abastadas investimentos que deveriam ser aplicados na melhora dos serviços para o conjunto da sociedade.

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