31.5.06

A morte lenta do TDMA

Toda tecnologia morre um dia. Em tempos modernos como os nossos, nos quais descobertas científicas são anunciadas a toda hora, o ciclo de vida das tecnologias parece cada vez mais curto. Na telefonia celular, a morte do TDMA foi anunciada há bastante tempo. Porém, no Brasil essa tecnologia está desaparecendo mais devagar do que o previsto. Segundo dados da Anatel, em abril ainda havia 15,92 milhões de linhas TDMA em funcionamento no País, o que representa 17,57% da base. A expectativa atual é de uma sobrevida por ao menos mais cinco anos, segundo fontes entrevistadas por TELETIME. Ações mais agressivas por parte das operadoras para estimular a migração devem começar a partir do ano que vem, conforme o custo de manutenção e de operação dessa rede se torna maior que a receita proveniente de sua base de clientes.
O auge do TDMA no País aconteceu em maio de 2004, quando atingiu a marca de 25,19 milhões de usuários. De lá até abril deste ano houve uma redução de 36,8%, ou 9,27 milhões de linhas. Em média, isso representa uma diminuição de 421 mil terminais por mês. Parece muito, mas quando do lançamento do GSM no Brasil, em junho de 2002, as expectativas eram de que a velocidade fosse mais rápida que isso. "Achávamos que o TDMA representaria 10% da base em 2005", lembra o presidente da TIM, Mario Cesar Araújo. Havia até mesmo quem imaginasse que o TDMA estaria extinto no Brasil em 2006, recorda odiretor de redes sem fio daNortel, Marcelo Ceribelli.
Uma das razões para a morte lenta dessa tecnologia é o fato de as operadoras não terem incentivado a migração dos usuários. A maioria optou por deixar que a substituição da base acontecesse naturalmente, evitando gastos ainda maiores em subsídios de aparelhos. Algumas até se esforçaram durante certo tempo para lançar no TDMA alguns dos novos serviços de valor adicionado, como jogos com interface gráfica.Mesmo após olançamento das novas redes, as operadoras permaneceram vendendo aparelhos TDMA por vários meses, porque a cobertura dessa tecnologia ainda era melhor. Hoje, as redes GSM e CDMA têm cobertura maior que a TDMA. Além disso, as operadoras pararam de comprar terminais TDMA, mas algumas lojas ainda vendem modelos que sobraram em estoque.
Não há ações agressivascom foco especificamente na migração dos usuários dessa tecnologia. A estratégia continua sendo confiar no marketing vital entre clientes e na substituição natural de telefones, conforme eles quebram ou ficam obsoletos. A preocupação com a clonagem também leva alguns clientes a deixar o TDMA, destaca o coordenador de negócio móvel da CTBC, Frederico Melazo.Uma exceção no que se refere ao estímulo à migração aconteceu na Vivo, por volta de outubro de 2003, no começo de sua operação CDMA nas então recém-adquiridas CRT, TCO e NBT Como o CDMA usa a mesma faixa de freqüência do TDMA, a companhia precisou inicialmente incentivar a migração de clientes para abrir canais para a nova tecnologia. "Oferecemos terminais CDMA com câmeras para usuários nas grandes capitais daquelas regiões, como Brasília, Porto Alegre e Goiânia", lembra o vice-presidente de redes da Vivo, Javier Rodriguez. Depois de aberto espaço para o CDMA, a Vivo parou de estimular a migração, tal como as demais operadoras.Outro motivo para a redução lenta da base é que nem sempre a migração de um cliente para uma nova tecnologia significa o desligamento da linha em TDMA.
"Muita gente repassou seu antigo celular TDMA para outra pessoa da famíia ou para algum amigo", relata o presidente da TIM.A migração aconteceu primeiramente entre os chamados heavy users, clientes que fazem uso intenso do serviço de telefonia celular. Aos poucos, vai atingindo os usuários com menor poder aquisitivo. "O usuário pré-pago de baixa renda não migrou ainda", afirma o diretor de engenharia e operações da Sercomtel Celular, Wanderley Rezende.
O fato de os heavy users terem migrado antes fez com que o tráfego TDMA caísse mais rapidamente do que o número de clientes. Uma fonte ouvida por TELETIME calcula que o tráfego TDMA hoje seja 50% menor do que era em meados de 2004, no auge desse padrão.
A diminuição drástica do tráfego facilita a manutenção das redes. Rádios podem ser retirados de estações radiobase (ERBs) onde o tráfego está baixo para a substituição daqueles que quebram em outras localidades. E mesmo quando não há substituições a serem feitas, sempre que possível canais TDMA são desligados nas ERBs para reduzir o consumo de energia nos sites.Ericsson e Nortel, dois dos maiores fornecedores de redes TDMA para as operadoras brasileiras, não fabricam mais equipamentos dessa tecnologia. No entanto, afirmam ter estoque suficiente para garantir a manutenção e o suporte por bastante tempo ainda.Os engenheiros e técnicos que eram especializados em TDMA tanto nos fabricantes quanto nas operadoras foram treinados para as novas tecnologias.
"Hoje não há mais ninguém na Ericsson que trabalhe somente com TDMA", afirma o vice-presidente da empresa no País, Jesper Rhode. "Se trocássemos nosso pessoal toda vez que trocamos de tecnologia, estaríamos perdidos", brinca Rodriguez, da Vivo.
Custo versus receitaA maior parte das redes GSM e CDMA nas operadoras que usavam TDMA foi construída aproveitando a infra-estrutura legada pela tecnologia antecessora. As centrais de comunicação, os links e os sites são compartilhados entre as tecnologias. Na Vivo, por exemplo, hoje apenas cinco ERBs da TCO e da NBT são usadas exclusivamente para TDMA.
Esse compartilhamento reduz de maneira significativa os custos de manutenção e operação da rede TDMA e possibilita estender sua sobrevida. Apesar disso, conforme diminui a quantidade de usuários TDMA, em algum momento no futuro a receita originada por essa base de clientes será menor do que os custos para manter essa rede.Ceribelli, da Nortel, calcula que esse desequilíbrio econômico virá quando a base TDMA representar menos de 10% do total de usuários em uma operadora. Quando isso ocorrer, aí sim é esperado que as companhias estimulem a migração de usuários para GSM e CDMA. As companhias de telefonia móvel começarão a fazer essa conta ao final de 2007, prevê a Pyramid Research. Rodriguez, da Vivo, acredita que a operadora só retomará as iniciativas de estímulo à migração quando houver entre 100 mil e 200 mil clientes TDMA em sua base. "Valerá mais a pena dar um celular novo para os clientes TDMA do que manter essa rede", explica Rhode, da Ericsson.
De acordo com a regulamentação,entretanto, enquanto houver um assinante usando uma determinada tecnologia, a operadora é obrigada a manter o serviço. Ou seja, as empresas não poderão obrigar ninguém a migrar. Terão que convencer os clientes. E às vezes isso é mais difícil do que se imagina. Araújo, da TIM, relata o caso de uma senhora que tem até hoje um telefone analógico e se recusa a trocar porque seuaparelho tem a voz do marido gravada diretamente na caixa postal. Depois de viúva, não quis se desfazer da lembrança.Independentemente de clientes tão emotivos, o sistema analógico só não desapareceu até o momento por ser necessário para o roaming da Vivo, devido à incompatibilidade entre as tecnologias CDMA e TDMA. De acordo com dados da Anatei, em março havia apenas 121 mil linhas analógicas ativas no Brasil.No caso do TDMA, uma vez concluída a migração de clientes em um determinado Estado, a operadora ainda manterá de seis a 12 meses sua rede na área em funcionamento para garantir o roaming de seus outros usuários. Vale lembrar que os aparelhos TDMA funcionam no sistema analógico e poderiam usar a rede AMPS para roaming, se necessário.
A gradual redução da base de usuários TDMA traz também à tona a discussão sobre o que será feito com a faixa de freqüência em 850 MHz das operadoras que migraram para GSM. Essa faixa está cada vez menos ocupada. Pela regulamentação, o uso não eficiente do espectro demanda que a freqüência seja devolvida ao governo.EspectroHá dois anos, a Vivo insiste que ao menos parte desse espectro ocioso fosse usada para a instalação de uma rede CDMA que servisse ao seu roaming em Minas Gerais e em alguns Estados do Nordeste, onde a operadora não tem cobertura digital. O pleito não foi atendido até o momento.Analistas acreditam que as operadoras GSM não vão querer abrir mão do espectro em 850 MHz, por ser uma faixa nobre, que requer menos antenas para a propagação do sinal. As empresas buscarão outra utilidade para ela.
O presidente da TIM, por exemplo, avalia a possibilidade de usar a freqüência de 850 MHz para lançar seus serviços de terceira geração (3G) em WCDMA, seguindo o mesmo caminho trilhado pela Cingular, nos Estados Unidos. O diretor comercial da Nokia para América Latina, Rob Arita, entretanto, alerta para o fato de que seria necessário vender aparelhos que funcionem em múltiplas freqüências, para garantir o roaming. E isso encarece os terminais.
Segundo a Pyramid Research, ao fim deste ano a base TDMA deve girar em torno de 10 milhões de usuários no Brasil. Depois haverá uma desaceleração na velocidade de redução. E até 2010 o TDMA terá pratica-mente desaparecido. Ou seja, a agonia do TDMA ainda vai durar no mínimo mais cinco anos. Quem sabe nesse período não surja uma nova tecnologia que possa interessar às operadoras na faixa de 850 MHz?

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