3.7.07

Banda larga traz novo fôlego ao setor de telefonia nos EUA


Valor Econômico

Muitas gargalhadas puderam ser ouvidas em abril quando milhares de pessoas entraram no YouTube.com para assistir um vídeo curto do comediante Will Ferrell, "The Landlord" (A Senhoria). Afinal de contas, é muito engraçado ver uma garotinha de dois anos com vestido de festa, representando uma senhoria nervosa que grita "Estou cansada dessa porcaria. Eu quero meu dinheiro!", para Ferrell, seu inquilino. O que as pessoas não podiam ver é o modelo que as companhias estão criando rapidamente para atrair milhões de cliques como esse pela internet todos os dias. Depois que, por exemplo, um estudante da Rutgers University de New Brunswick (Nova Jersey) clicava em "The Landlord", um dos centenas de milhares de servidores do centro de dados do Google na Califórnia enviava o vídeo através dos equipamentos de rede da internet da Cysco Systems e da Juniper Networks. No ano passado, o Google, controlador do YouTube, direcionou US$ 1,9 bilhão, ou 18% de sua receita, para sistemas de tecnologia para transmitir vídeos mais rapidamente e processar solicitações em mecanismos de busca.



Das instalações do Google, o vídeo cruza os EUA pela rede de fibra ótica da Level 3 Communications, que engloba 75.200 km de cabos. Ao chegar a Nova Jersey, o vídeo é então transferido para um novo loop de fibra ótica da Verizon Communications. Milésimos de segundo depois, a Verizon envia o vídeo para um apartamento em New Brunswick via conexão de banda larga.


Nesses fios, cabos e computadores que não chamam a atenção das pessoas há uma história admirável de ressurreição. Sete anos atrás, o negócio das comunicações, formado por companhias que forneciam de telefones a redes de computadores para sistemas de roteamento e transferência, foi derrubado pelo pior colapso sofrido pelo setor industrial dos EUA desde a Grande Depressão. Com uma velocidade estonteante e poucos sinais de alerta, companhias que estavam voando alto, como a Global Crossing e a WorldCom - que haviam se endividado para construir redes de fibras óticas e comprar empresas em antecipação a um boom que parecia que não teria fim - quebraram. Gigantes como a AT&T foram desmembradas enquanto tentavam se recuperar da queda-livre das receitas e dos lucros. Centenas de milhares de trabalhadores foram demitidos. Os preços de algumas ações que estavam inflacionadas caíram 95% ou mais.


Os investidores assistiram o valor do mercado encolher em cerca de US$ 2 trilhões em pouco mais de dois anos. Em meio aos destroços, alguns previram que a recuperação poderia demorar uma década ou mais. No entanto, ao longo dos últimos 12 meses o setor de telecomunicações ressuscitou. Os créditos vão para um aumento estável no apetite pelas conexões de banda larga à internet, que possibilitam o consumo fácil de vídeos domésticos, arquivos de música e serviços inspirados na internet, como os de telefonia grátis. Na verdade, a adoção da banda larga este ano por adultos nos EUA deverá superar os 50%. Os investimentos estão aumentando, com as companhias construindo redes de alta velocidade. Os investidores de private equity estão fazendo apostas enormes no setor, como os US$ 8,2 bilhões que a Silver Lake Partners e o Texas Pacific Group pagaram pela fabricante de equipamentos de rede Avaya, em junho.


Cerca de metade da capacidade de transmissão da internet não estava sendo usada em 2002. Hoje, essa conexão quase dobrou de tamanho, e mesmo assim a parcela inativa caiu para cerca de 30%. Como resultado, o preço que as companhias pagam pela amplitude de banda em certas partes dos EUA está aumentando, depois de seis anos de quedas. "Todos nós estamos planejando a expansão de nossas espinhas dorsais para suportarmos o crescimento dos aplicativos da internet e de vídeo", afirma Dan Yost, vice-presidente executivo de produtos da Qwest Communications International, a provedora de serviços de comunicações de Denver.


Talvez o melhor indicador da revitalização seja a previsão de que os lucros deverão este ano alcançar o recorde de US$ 72 bilhões, superando pela primeira vez a marca dos US$ 65 bilhões de 1998. Não é preciso dizer aos investidores que as telecomunicações estão de volta. O setor vem apresentando um dos melhores desempenhos no mercado de ações nos últimos 18 meses. Em 2006 as ações de grandes companhias de telefonia subiram 34%, depois que um declínio de quase 10% em 2005.


Mas o "revival" das telecomunicações tem implicações que vão muito além de Wall Street. Um dólar aplicado em infra-estrutura de telecomunicações produz um grande impacto na economia dos EUA como um todo. De fato, um número cada vez maior de pesquisas têm constatado que os investimentos em telecomunicações têm uma importância vital no estímulo ao crescimento econômico e à produtividade - mais que o dinheiro aplicado na construção de rodovias, em sistemas de distribuição de energia ou mesmo educação. Os ativos de comunicações geram benefícios maciços ao reduzirem os custos da realização de negócios na economia. Uma rede de dados de alta velocidade subitamente torna mais fácil e barato, para todos os tipos de trabalhadores, classificar encomendas, atender clientes e conseguir novos negócios.


O setor, que movimenta US$ 900 bilhões, está hoje muito diferente do que em 2000. O equilíbrio do poder mudou em direção a iniciantes da internet como o YouTube e o MySpace, que mal apareciam sete anos atrás. Enquanto isso, as grandes companhias telefônicas (conhecidas como Bell) se consolidaram e estão desenvolvendo serviços num ritmo alucinante, na esperança de recuperar os bilhões de dólares investidos em redes novas e mais rápidas.


Não está claro, porém, quanto do valor que está sendo criado por essas redes será capturado pelas operadoras. As grandes companhias telefônicas não têm um histórico de desenvolvimento de tecnologias capaz de "virar o jogo" em uma arena competitiva. "Elas têm um morro bem alto para subir", diz Willliam E. Kennard, ex-presidente da Federal Communications Commission (FCC), hoje diretor do Carlyle Group, firma de private equity que já adquiriu ativos no setor de telecomunicações. Enquanto isso, companhias como o Google estão se esforçando para introduzir uma maior competição na indústria da telefonia sem fio e reduzir o controle que as operadoras têm sobre a distribuição pela internet.


O lançamento do iPhone, da Apple, aparelho que acessa a internet, tira fotografias, toca música e faz ligações telefônicas, poderá ser o prenúncio de uma nova rodada de ruptura para as grandes companhias de telecomunicações. Ao permitir às empresas que desenvolvem softwares criarem aplicativos para um aparelho móvel da internet de qualidade superior, a Apple está tentando destruir o modelo das companhias de telefonia sem fio, no qual elas controlam os portais de acesso sem fio à internet e o conteúdo que aparece nas telas dos celulares.


Dentro da "volta" do setor como um todo, há algumas recuperações admiráveis. Poucas companhias foram tão castigadas pelo estouro das ações do setor do que a Level 3 Communications. Seu fundador James Q. Crowe começou a Level 3 em 1998, com o sonho de construir a maior e mais avançada rede de fibras óticas do mundo - com US$ 3 bilhões captados junto a investidores que incluíam Walter Scott Jr., um magnata do setor de construção de Omaha e amigo de Warren Buffett. Logo, a companhia estava instalando cabos ao rimo alucinante de 30 km por dia. Em março de 2000, a ação da Level 3 atingiu o pico de US$ 130. Mas com o dinheiro entrando como água, no fim do ano pelo menos outras 50 companhias estavam oferecendo serviços de infra-estrutura para a internet. Quando ficou claro que a rede de Crowe estava atraindo mais concorrentes do que clientes, a ação despencou, quase matando a companhia. Em outubro de 2001, o papel atingiu o fundo do poço, cotado a US$ 1,98, deixando investidores com prejuízos de bilhões de dólares.


Hoje a Level 3 voltou a crescer. Nos últimos três anos, o mercado de bônus permitiu à companhia refinanciar suas dívidas a taxas menores e realizar dez aquisições avaliadas em mais de US$ 4 bilhões. A Level 3 afirma que mais da metade de seu tráfego de rede representa hoje vídeos pela internet, sendo que em 2000 esse tráfego não existia. Com as dívidas ainda elevadas, a companhia está operando no vermelho. Analistas acreditam que a Level 3 não conseguirá gerar um fluxo de caixa positivo antes do fim do ano. Mas nos últimos nove meses a ação teve uma alta de 60%, para cerca de US$ 5,5.


Agora, até mesmo algumas aberturas de capital estão atraindo o interesse de Wall Street. As ações da MetroPCS Communications, uma provedora de serviços de telefonia sem fio de Dallas (Texas) subiram quase 50% desde que ela se tornou uma companhia aberta, em 22 de abril ao preço de US$ 23 a ação. O preço da ação da Riverbed Technology, uma fabricante de equipamentos, mais que quadruplicou, para US$ 40, desde a abertura de capital em setembro de 2006. "Há muita inovação" nas companhias iniciantes do setor, afirma Morgan Jones, sócio da companhia de capital de risco Battery Ventures.

É claro que é assim que todo mundo se sentia em 2000. Na época parecia que a demanda por roteadores e outras tecnologias de banda larga iria crescer sempre. Mas quando as empresas pontocom começaram a cair no segundo trimestre de 2000, o absurdo das projeções de que o tráfego na internet iria dobrar a cada três meses se revelou. As torneiras, que estavam jorrando dinheiro para companhias de telefonia, fecharam. Com muitos provedores de acesso à internet disputando uma demanda em queda, os preços de conexão começaram a cair 50% ao ano.


As primeiras peças do dominó caíram em 2001, quando os provedores de banda larga Winstar Communications e 360Networks pediram concordata. Nos três anos seguintes, 655 companhias de telecomunicações, com ativos combinados de US$ 749 bilhões, entraram em concordata, segundo dados da BankruptcyData.com. Em 21 de julho de 2001, depois que um escândalo contábil revelou lucros inflados de bilhões de dólares, a WorldCom, a gigante que personificava a promessa da era do boom, entrou com o maior pedido de concordata da história dos Estados Unidos.


O alcance da destruição foi de tirar o fôlego, conjurando comparações com a crise das associações de empréstimos e poupança da década de 1980. Mas dessa vez foram os investidores privados que arcaram com as perdas, e não o governo. E a velocidade da destruição criativa teve uma vantagem: no começo de 2004, a recuperação já estava a caminho. Em um importante negócio firmado em fevereiro daquele ano, a Cingular Wireless fechou a compra da AT&T Wireless Services por cerca de US$ 41 bilhões. Logo, a consolidação acelerou o ritmo. Em dezembro, a Sprint anunciou a compra da Nextel Communications por US$ 35 bilhões; um mês depois, a SBC Communications disse que iria comprar a AT&T por US$ 16 bilhões; um mês mais tarde, a Verizon adquiriu a MCI, ex-WorldCom, por US$ 8,4 bilhões.


Mas enquanto as companhias de telefonia e cabo aumentavam o controle sobre os canais de transmissão, um exército de companhias iniciantes passou a trabalhar preenchendo esses canais. Não é um acidente o fato da explosão dos vídeos on-line e o renascimento das telecomunicações terem ocorrido mais ou menos na mesma época. Um vídeo típico consome mil vezes mais amplitude de banda que um arquivo de som.


O vídeos on-line mal existiam em 2000. Hoje, um terço do tráfego da internet se deve a eles. Graças a serviços famintos por amplitude de banda como o YouTube, o tráfego mundial na internet de 2003 a 2006 cresceu a uma taxa anual composta de 75% ao ano, segundo a TeleGeography. Para entender e velocidade com que os vídeos estão tomando conta da internet, considere a experiência do VideoEgg. Embora muito menos conhecido que o YouTube, em menos de dois anos o VideoEgg cresceu a ponto de se tornar o maior serviço de vídeos para sites de redes de socialização da internet. Ao invés de construir seus próprios serviços de vídeo, grandes comunidades on-line como a Bebo e a hi5 usam o VideoEgg para que seus membros veiculem vídeos em seus sites. Hoje, o VideoEgg fornece cerca de 15 milhões de vídeos por dia através de 70 sites. Para transmiti-los, a companhia trabalha com gigantes como a AT&T e a Verizon, além da Akamai Technologies, um serviço de transmissão de conteúdo pela internet. Matt Sanchez, um dos fundadores da VideoEgg acredita que até o fim do ano a companhia poderá mais que triplicar seu tráfego atual.


Se o velho mundo das telecomunicações era dominado pelos inchados monopólios regionais, o novo mundo é uma arena cheia de concorrentes parrudos. Isso está refletido no quanto o setor de tornou mais produtivo. Embora as receitas estejam hoje 19% maiores que em 2000, esse dinheiro suporta apenas 1,1 milhão de trabalhadores, uma queda de quase 30% em relação aos níveis da era do boom. "Ele ficou inexoravelmente mais competitivo em todas as áreas: banda larga, linhas fixas e comunicação sem fio", diz o presidente da AT&T, Randall Stephenson.


Para as grandes companhias, como a AT&T, Verizon e Qwest, o principal desafio é reduzir a perda de clientes das tradicionais linhas fixas, conseguindo ao mesmo tempo um maior crescimento das receitas nos novos mercados como o de comunicações sem fio e serviços pela internet. As companhias precisam acabar com a reputação que têm de serem "canais mudos" e provar que podem encher suas redes com produtos e serviços inovadores que tenham apelo entre os clientes - tudo, ao mesmo tempo em que lutam contra as operadoras de TV a cabo, que estão "roubando" milhões de clientes das companhias telefônicas.


Isso é um motivo para acreditar que as companhias estão se reinventando. A Verizon, por exemplo, em breve estará oferecendo serviços que permitirão aos clientes personalizar e compartilhar fotografias, vídeos e outras mídias entre seus celulares, PCs e TVs. Cinco anos atrás, a Verizon empregava 100 pessoas encarregadas de desenvolver softwares e que se concentravam principalmente na instalação de produtos desenvolvidos fora da companhia. Hoje, o diretor de tecnologia Shaygan Kheradpir supervisiona mais de 1.000 encarregados de desenvolver programas. "Não precisamos ter todos os serviços", diz o presidente da Verizon, Ivan G. Seidenberg. "Só precisamos agrupar um monte deles e ajudar o cliente com os que ele gosta."


É inevitável que as companhias telefônicas americanas não poderão mais depender da telefonia sem fio para crescer como dependeram no passado. A telefonia móvel é um mercado maduro. Este ano a taxa de crescimento dos assinantes de telefones sem fio nos EUA deverá ser negativa. Para continuar gerando crescimento na receita, as companhias de telefonia móvel precisam tirar clientes umas das outras, ou convencerem mais consumidores a comprar os celulares da próxima geração e os chamados serviços 3G, como jogos, músicas e vídeos. Todas as grandes provedoras de serviços de comunicações sem fio estão aperfeiçoando suas redes. Mas, nos EUA, apenas 15% dos celulares são capazes de trabalhar com serviços 3G.


Isso levanta uma questão problemática: será que os investidores que apostaram nessa transformação das telecomunicações não correm o risco de ter mais uma surpresa desagradável? Talvez. Algumas das projeções para os novos negócios de telefonia móvel, especialmente o download de vídeos, parecem ser otimistas demais, bem ao estilo da década de 1990. Mas não existe hoje aquela sensação de expectativas ilimitadas que provocou um frenesi entre os investidores na vez anterior.


Talvez o caso da Cisco, maior vendedora de equipamentos de rede dos EUA, seja emblemático. No que parecia na época ser um marco na ascensão da internet, a Cisco ultrapassou a Microsoft por um breve período de tempo em março de 2000, para se tornar a companhia mais valiosa do planeta. Logo depois, a Cisco teve que dar baixa em US$ 2 bilhões de roteadores não vendidos e outros equipamentos. Em julho de 2002, o preço da ação da companhia despencou de US$ 77 para US$ 12. A Cisco reduziu custos, demitiu funcionários pela primeira vez e conseguiu suportar a tempestade.


Hoje, ela está florescendo novamente, vendendo equipamentos para companhias de telefonia e TV a cabo que estão ampliando seus serviços e entrando em novos negócios e mercados consumidores. No primeiro trimestre a companhia registrou um lucro líquido de US$ 1,9 bilhão, um crescimento de 34% sobre o mesmo período do ano passado, sobre vendas de US$ 8,9 bilhões. Em 12 de junho, a ação da companhia era negociada na faixa dos US$ 26.


O diretor-presidente John Chambers conta um caso ocorrido depois do estouro da bolha que resume a rapidez com que as coisas se recuperaram. Em 2004, lembra ele, os críticos acharam graça quando a Cisco lançou um novo e ousado roteador, o CSR-1, capaz de transmitir o conteúdo inteiro da Biblioteca do Congresso dos EUA em poucos segundos. Analistas previram que apenas um punhado deles seriam vendidos. Este ano, graças à fome pela amplitude de banda, as vendas do CSR-1 deverão atingir US$ 1 bilhão, mais que o dobro do número de 2006. Chambers, que nunca perdeu a confiança durante o boom, o estouro da bolha e o novo boom, diz: "O mercado está indo exatamente para onde achávamos que iria".

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