26.12.05

Fust: relatório do TCU diz que governo é omisso

InfoETC - O Globo - Elis Monteiro
Dinheiro, há. Vontade política, nem tanto. Assim é a novela do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust), que se arrasta desde agosto de 2000 e, segundo o próprio governo federal, já acumula uma verba de mais de R$ 4 bilhões, embora as entidades civis estimem o saldo em um pouco mais. Como o próprio nome diz, o Fust deveria ser usado para levar serviços de telecomunicações (a internet, como extensão destes) a escolas, universidades, hospitais e em projetos sociais que visem a diminuir o fosso digital.

O problema é que há anos o dinheiro está parado, servindo apenas para gerar superávit primário. A questão chegou a tal ponto que o Tribunal de Contas da União (TCU) divulgou um relatório sobre o Fundo, que conclui que o governo é omisso em relação à aplicação das verbas. O TCU chama às falas o Ministério das Comunicações, que já deveria ter tomado providências enérgicas para a aplicação das verbas nos projetos de inclusão digital.
Assim que o relatório foi publicado, o ministro das Comunicações, Hélio Costa, anunciou que o governo vai liberar cerca de R$ 650 milhões do Fust no ano que vem.
Campanha “Fust Já” começa a mostrar resultados
A declaração de Costa, que alivia mas não resolve o problema, foi o primeiro resultado concreto da passeata virtual “Fust Já”, criada pelo Comitê para Democratização da Informática (CDI), que recebeu a adesão de instituições como Rits (Rede de Informações do Terceiro Setor), Sucesu (Associação de usuários de informática e Telecomunicações, Fundação Avina, Fundação Ashoka e Movimento Software Livre.
— O relatório do TCU é de uma lucidez formidável e faz uma crítica construtiva à atuação do governo federal na questão da inclusão digital — diz Rodrigo Baggio, diretor-executivo e fundador do CDI. — Há quatro anos, cada um de nós dá 1% da conta telefônica para o Fust. Agora, é hora de democratizar o conhecimento em torno do desafio do Fust.
A primeira ação do movimento Fust Já foi uma passeata virtual. A entidade disparou dez mil mensagens de protesto, pedindo para que cada destinatário passagem a mensagem adiante. No corpo do email, um texto curto: “Excelentíssimo Senhor Ministro, solicito providências imediatas para a liberação dos recursos do Fust”.
— O primeiro resultado foi a própria mobilização. Temos que exercer a nossa indignação cidadã porque o Fust não é o único fundo, temos outros na mesma situação. Não se trata aqui de pedir a liberação de um fundo, é uma questão de cumprir a Lei. Tem mais: por que uns falam em R$ 4 bilhões, outros em R$ 5 bi? A sociedade tem o direito de saber este número com precisão de decimais — lembra Baggio.
O relatório levanta esta questão. No documento, o Tribunal lembra que “a falta de aplicação dos recursos do Fundo tem sido motivo de vários questionamentos pela sociedade, pelas prestadoras de serviços de telecomunicações, principais contribuintes do Fundo, pela mídia especializada e por diversos setores do governo”. Lembra ainda que o Ministério das Comunicações e a Anatel efetuaram tentativas para a aplicação dos recursos do Fust e que todas foram fracassadas, porque esbarraram em questões legais, institucionais ou políticas.
O TCU detalha qual deve ser, legalmente, o destino do Fust: atendimento a localidades com menos de cem habitantes, implantação de internet em escolas e bibliotecas públicas e instituições de saúde, atendimento a áreas remotas, a comunidades de baixo poder aquisitivo, a órgãos de segurança pública e a instituições de assistência a deficientes.
Dentre as questões apontadas pelo TCU para a ineficiência do governo em aplicar as verbas do Fust estão a rotatividade de ministros e equipes, além de graves deficiências na formulação e na implementação de políticas, diretrizes gerais e prioridades por parte do ministério das Comunicações, o grande responsável pela aplicação do Fundo.
— O que impressiona é que o relatório do TCU não é, pelo menos aparentemente, um documento de governo. Ele expõe a falta de coordenação do governo como uma das causas principais da não-aplicação do Fust — diz Paulo Lima, diretor-executivo da Rits.
Assim como Baggio, Lima também comemora os primeiros resultados da campanha Fust Já, afirmando que se criou um incômodo no governo. O próximo — e mais difícil — passo, diz, é profissionalizar a relação entre fundo público-sociedade civil para que haja fiscalização na aplicação das verbas. Ou seja, a sociedade civil pede a criação de um conselho para monitorar o Fust.
— Não há fundo público sem que em torno dele exista um conselho — diz Lima.
Verba de fundo não usada é verba contingenciada
A falta de definição das metas do MiniCom deve ser somada ao uso, por parte do governo federal, das verbas do Fust para contingenciamento. O que é mais impressionante neste caso é que, por falta de uso, a verba acabou sendo desviada para a contingência. Segundo o relatório, em 2001 não havia destinação de recursos do Fust à reserva de contingência e a integralidade da arrecadação do fundo (R$ 1,025 bilhão) seria usada em ações do Programa de Universalização dos Serviços de Telecomunicações.

Em 2002, a novela do contingenciamento começa: naquele ano, foram destinados 29,37% da previsão de arrecadação do Fundo à reserva de contingência. A partir de então, ano após ano, a porcentagem da previsão de arrecadação do Fundo destinada à contingência aumentou: em 2003, 76,44%; em 2004, 90,49%; em 2005, 95,33%. E, agora, a pior parte: em 2006, de acordo com projeto em tramitação no Congresso, 98,65% (R$ 655 milhões) dos recursos arrecadados pelo Fust serão destinados à reserva de contingência. Ou seja, ou a sociedade civil corre atrás ou a novela continuará no ano que vem.

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