Carlos Eduardo Zanatta
Uma das grandes surpresas nos contratos de concessão das empresas de telefonia fixa assinados no final de dezembro foi a introdução de uma cláusula fazendo referência explícita à necessidade de se respeitar o disposto no artigo 222 da Constituição Federal (parte do capítulo da Comunicação Social que determina as regras para a exploração dos serviços de radiodifusão, comunicação social eletrônica e meios impressos) no tocante ao oferecimento de facilidades e serviços de valor adicionado. O pedido de alteração no Contrato de Concessão foi formulado pela Abert, segundo o parecer da Consultoria Jurídica do Minicom que foi encaminhado pelo ministro Hélio Costa à Anatel. A associação dos radiodifusores desejava que o ministro “no exercício de sua autoridade em defesa do setor de radiodifusão” determinasse à Anatel que fizesse constar do texto dos Contratos de Concessão para prestação de STFC “vedação expressa à prestação pelas empresas de telecomunicações, de Serviços de Comunicação Social”. A Abert considerou ambígua uma cláusula que estabelecia que “mediante prévia aprovação por parte da Anatel, a Concessionária poderá implantar e explorar novas prestações, utilidades ou comodidades relacionadas com a prestação do serviço objeto da presente concessão”. No parágrafo único desta cláusula estabelecia-se que “devem ser consideradas relacionadas com o objeto da presente concessão aquelas prestações, utilidades ou comodidades que, a juízo da Anatel sejam consideradas inerentes e complementares à plataforma do serviço ora concedido, sem caracterizar serviço de valor adicionado ou nova modalidade de serviço, observadas as disposições da regulamentação”. Para a Abert, esta cláusula dava à Anatel a prerrogativa de autorizar serviços e, ao fazê-lo, abririam-se as portas “para que a Constituição possa a vir a ser desrespeitada”.Sem embasamento legalO parecer da Conjur/Minicom, assinado pela Dra. Adalzira França Soares de Lucca, coordenadora-geral de Assuntos Jurídicos de Telecomunicações e Postais, descreve exaustivamente as regras incidentes em relação aos denominados serviços de comunicação de massa (radiodifusão em geral, TV a cabo, MMDS, DTH, e TVA - TV por assinatura por UHF). A conclusão é que, com exceção das vedações relacionadas ao controle de capital por estrangeiros que incide em relação à radiodifusão, TV a cabo e TVA, não existe qualquer tipo de impedimento para que empresas que explorem outros serviços de telecomunicações possam operar os serviços de comunicação de massa, não havendo, portanto, embasamento legal para o pedido da Abert.
Mesmo assim, a consultoria jurídica do Minicom, e posteriormente o ministro Hélio Costa, que acatou o parecer e o encaminhou à Anatel, considerou que o texto da cláusula citada pela Abert realmente não estava claro e poderia permitir dupla interpretação. Deste modo, o Minicom sugeriu que a Anatel fizesse uma nova redação para aquele texto. Da sugestão do Minicom, a Anatel incorporou apenas a troca da expressão “nova modalidade de serviço” para “outra modalidade de serviço”, o que evitaria a interpretação de que a Anatel poderia permitir a prestação de modalidades ainda não existentes. Além desta mudança, a Anatel foi mais longe: incluiu a obrigatoriedade do respeito ao artigo 222 da Constituição Federal no caso destas “prestações, utilidades ou comodidades” inerentes ao STFC. AnáliseÉ curioso observar que o pedido para que as empresas que operam serviços de telecomunicações fossem impedidas de prestar serviços de comunicação de massa formulado pela Abert ao Minicom acabou sendo uma espécie de armadilha. Isso porque, evidentemente, o pedido foi negado por falta de sustentação legal. A Conjur/Minicom somente poderia se manifestar com base em leis e regulamentos existentes e não existe norma que preveja a convergência de serviços numa mesma plataforma. Para não desagradar totalmente a mais importante e tradicional das associações de radiodifusores, o Minicom sugeriu algumas mudanças para clarear o assunto.
A Anatel, mais realista que o rei, introduziu a referência ao artigo 222 da Constituição, o que acabou provocando a dúvida: é necessária a citação da Constituição Federal nas leis ou nos contratos firmados durante a sua vigência? Como não há ainda lei que regule a convergência, e como STFC é um serviço muito específico (diferentemente das diversas redes ou plataformas utilizadas para sua prestação, estas sim, perfeitamente compatíveis com a futura convergência), a introdução da “ressalva 222” pode realmente ser inócua. O futuro nos dirá.
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