Folha
Autor de lei das teles vê retrocesso na fusão BrT-Telemar
Carlos Ari Sundfeld considera a criação de uma supertele, em nome do nacionalismo, um atraso para a competição no setor
Segundo o advogado, não há justificativa para alterar lei; empresas nacionais podem enfrentar concorrência se investirem para crescer, diz
Quando o discurso em favor da criação da supertele nacional -a partir da fusão da Telemar com a Brasil Telecom- parecia unânime, surge uma voz abalizada dissonante: a do advogado Carlos Ari Sundfeld, principal autor da Lei Geral de Telecomunicações, que regula a telefonia. Segundo ele, a fusão das teles será um retrocesso no modelo de competição de mercado aprovado antes da privatização do sistema Telebrás.
Para o advogado, o discurso nacionalista de que é preciso uma operadora nacional forte para se contrapor ao avanço das estrangeiras Telefônica e Telmex esconde uma estratégia empresarial de crescimento. ""Existem duas formas de as empresas crescerem: investindo para enfrentar a competição no mercado ou comprando o concorrente", diz ele.
Sundfeld diz que o governo terá de apresentar uma justificativa para aprovar a fusão das teles. Professor de Direito Administrativo da Escola de Direito de São Paulo, da Fundação Getulio Vargas, e de Direito Público Econômico do Doutorado e Mestrado da PUC de São Paulo, Sundfeld, 47, tem escritório de advocacia e dá consultorias eventuais a todas as operadoras. A seguir, os principais trechos da entrevista:
FOLHA - Qual sua opinião sobre a fusão entre Telemar e Brasil Telecom para criar a supertele nacional?
CARLOS ARI SUNDFELD - Não vejo justificativa. Por que é que nós temos que lutar contra o capital internacional? Só faz sentido criar uma empresa brasileira para lutar contra as estrangeiras se formos capazes de demonstrar que a multinacional provoca malefício a ser combatido. Até agora, a única justificativa dada pelo governo foi a do ministro das Comunicações, Hélio Costa, de que é preciso criar uma empresa nacional para lutar contra as estrangeiras.
É uma frase sem conteúdo. Se o capital estrangeiro é danoso, temos que tomar uma decisão mais abrangente e expulsá-lo do país. Não basta tomar uma medida pontual.
FOLHA - O senhor não acha necessário preservar o capital nacional nessa área?
SUNDFELD - A empresa de capital nacional já existe e não está sendo destruída. Qualquer das duas grandes empresas envolvidas na fusão pode crescer, se investir para enfrentar a competição. O que se está propondo é permitir o crescimento, com restrição à competição.
FOLHA - Então, a fusão entre as teles seria um retrocesso para a competição no setor?
SUNDFELD - Sem dúvida. O espírito da Lei Geral de Telecomunicações era aumentar a competição. Agora, em nome do nacionalismo, querem diminuir a competição. A lógica do Plano Geral de Outorgas [aprovado pelo decreto presidencial nº 2.534, em 1998] era criar quatro grupos fortes -três de telefonia local e a Embratel, de longa distância- que, no primeiro momento, cresceriam dentro de suas áreas. Quando essas empresas batessem no limite de crescimento em suas áreas, teriam de concorrer nas áreas umas das outras. Até hoje, isso não aconteceu porque o mercado delas ainda não se esgotou e porque as estrangeiras têm encontrado oportunidades de expandir seus investimentos em outros países.
FOLHA - O sonho dourado da Telefônica e da Telmex é comprar a Brasil Telecom e a Telemar.
SUNDFELD - O sonho de toda empresa é crescer. Existem duas formas de crescer: comprando os competidores ou investindo para disputar a concorrência. É muito melhor para uma empresa crescer comprando o concorrente, ainda que custe mais caro, porque vai reduzir a competição. Para impedir isso existem a regulação e o direito antitruste.
FOLHA - A fusão abortaria a competição, no seu entender?
SUNDFELD - Sem dúvida. Estamos chegando próximo ao ponto de maturidade, em que elas terão de disputar nas áreas das outras, e é por isso que surgiu esse movimento. Não há ingenuidade nisso. Estão chegando perto do limite e lutando para crescer.
FOLHA - Por que o discurso nacionalista?
SUNDFELD - Existem dois discursos básicos quando se quer mudar a regulação contra a competição. O nacionalista e o pró-consumidor. Neste último argumento, a estratégia é dizer que o usuário tem de receber tantas vantagens que a empresa precisa ser monopolista para suportar os gastos. As empresas são muito hábeis para usar esses argumentos junto aos políticos. Quando as empresas começam a falar muito no consumidor, por trás desse discurso costuma haver a tentativa de fechar o mercado.
FOLHA - Será preciso mexer na legislação para permitir a fusão da Telemar com Brasil Telecom?
SUNDFELD - É preciso alterar o decreto 2.534/98, que estabeleceu o plano geral de outorgas e dividiu o território em três áreas de concessão de telefonia fixa local. Ele diz que, se uma concessionária adquirir uma segunda concessão para o mesmo serviço, em área diferente, terá de devolver a primeira à União, em 18 meses.
Para permitir a fusão das teles, é preciso reduzir o número de áreas de concessão de três para duas por empresa, ou retirar a regra que impede uma concessionária de ter mais de uma concessão.
FOLHA - A Telefônica ou a Telmex não poderiam fazer uma proposta maior de preço e comprar as empresas? É possível mexer na regulamentação para viabilizar um negócio específico?
SUNDFELD - Para impedir a compra pela Telefônica ou pela Telmex, o governo teria que fundir as áreas de concessão da Brasil Telecom e da Telemar, e criar uma cláusula específica proibindo a venda da empresa resultante da fusão a grupos estrangeiros. Ou seja, o país teria apenas duas áreas de concessão de telefonia fixa local: o Estado de São Paulo e o resto do país.
A venda da Telemar ou da Brasil Telecom só seria autorizada para consolidar o plano de outorga. Isso foi feito após a privatização, o que garantiu a compra da Ceterp [que era uma operadora municipal de Ribeirão Preto] pela Telefônica e da CRT [do Rio Grande do Sul] pela Brasil Telecom.
FOLHA - Um arranjo desses não seria derrubado na Justiça?
SUNDFELD - A fragilidade está em o governo explicar a política pública que estaria por trás disso. Não consigo imaginar qual seria.
Autor de lei das teles vê retrocesso na fusão BrT-Telemar
Carlos Ari Sundfeld considera a criação de uma supertele, em nome do nacionalismo, um atraso para a competição no setor
Segundo o advogado, não há justificativa para alterar lei; empresas nacionais podem enfrentar concorrência se investirem para crescer, diz
Quando o discurso em favor da criação da supertele nacional -a partir da fusão da Telemar com a Brasil Telecom- parecia unânime, surge uma voz abalizada dissonante: a do advogado Carlos Ari Sundfeld, principal autor da Lei Geral de Telecomunicações, que regula a telefonia. Segundo ele, a fusão das teles será um retrocesso no modelo de competição de mercado aprovado antes da privatização do sistema Telebrás.
Para o advogado, o discurso nacionalista de que é preciso uma operadora nacional forte para se contrapor ao avanço das estrangeiras Telefônica e Telmex esconde uma estratégia empresarial de crescimento. ""Existem duas formas de as empresas crescerem: investindo para enfrentar a competição no mercado ou comprando o concorrente", diz ele.
Sundfeld diz que o governo terá de apresentar uma justificativa para aprovar a fusão das teles. Professor de Direito Administrativo da Escola de Direito de São Paulo, da Fundação Getulio Vargas, e de Direito Público Econômico do Doutorado e Mestrado da PUC de São Paulo, Sundfeld, 47, tem escritório de advocacia e dá consultorias eventuais a todas as operadoras. A seguir, os principais trechos da entrevista:
FOLHA - Qual sua opinião sobre a fusão entre Telemar e Brasil Telecom para criar a supertele nacional?
CARLOS ARI SUNDFELD - Não vejo justificativa. Por que é que nós temos que lutar contra o capital internacional? Só faz sentido criar uma empresa brasileira para lutar contra as estrangeiras se formos capazes de demonstrar que a multinacional provoca malefício a ser combatido. Até agora, a única justificativa dada pelo governo foi a do ministro das Comunicações, Hélio Costa, de que é preciso criar uma empresa nacional para lutar contra as estrangeiras.
É uma frase sem conteúdo. Se o capital estrangeiro é danoso, temos que tomar uma decisão mais abrangente e expulsá-lo do país. Não basta tomar uma medida pontual.
FOLHA - O senhor não acha necessário preservar o capital nacional nessa área?
SUNDFELD - A empresa de capital nacional já existe e não está sendo destruída. Qualquer das duas grandes empresas envolvidas na fusão pode crescer, se investir para enfrentar a competição. O que se está propondo é permitir o crescimento, com restrição à competição.
FOLHA - Então, a fusão entre as teles seria um retrocesso para a competição no setor?
SUNDFELD - Sem dúvida. O espírito da Lei Geral de Telecomunicações era aumentar a competição. Agora, em nome do nacionalismo, querem diminuir a competição. A lógica do Plano Geral de Outorgas [aprovado pelo decreto presidencial nº 2.534, em 1998] era criar quatro grupos fortes -três de telefonia local e a Embratel, de longa distância- que, no primeiro momento, cresceriam dentro de suas áreas. Quando essas empresas batessem no limite de crescimento em suas áreas, teriam de concorrer nas áreas umas das outras. Até hoje, isso não aconteceu porque o mercado delas ainda não se esgotou e porque as estrangeiras têm encontrado oportunidades de expandir seus investimentos em outros países.
FOLHA - O sonho dourado da Telefônica e da Telmex é comprar a Brasil Telecom e a Telemar.
SUNDFELD - O sonho de toda empresa é crescer. Existem duas formas de crescer: comprando os competidores ou investindo para disputar a concorrência. É muito melhor para uma empresa crescer comprando o concorrente, ainda que custe mais caro, porque vai reduzir a competição. Para impedir isso existem a regulação e o direito antitruste.
FOLHA - A fusão abortaria a competição, no seu entender?
SUNDFELD - Sem dúvida. Estamos chegando próximo ao ponto de maturidade, em que elas terão de disputar nas áreas das outras, e é por isso que surgiu esse movimento. Não há ingenuidade nisso. Estão chegando perto do limite e lutando para crescer.
FOLHA - Por que o discurso nacionalista?
SUNDFELD - Existem dois discursos básicos quando se quer mudar a regulação contra a competição. O nacionalista e o pró-consumidor. Neste último argumento, a estratégia é dizer que o usuário tem de receber tantas vantagens que a empresa precisa ser monopolista para suportar os gastos. As empresas são muito hábeis para usar esses argumentos junto aos políticos. Quando as empresas começam a falar muito no consumidor, por trás desse discurso costuma haver a tentativa de fechar o mercado.
FOLHA - Será preciso mexer na legislação para permitir a fusão da Telemar com Brasil Telecom?
SUNDFELD - É preciso alterar o decreto 2.534/98, que estabeleceu o plano geral de outorgas e dividiu o território em três áreas de concessão de telefonia fixa local. Ele diz que, se uma concessionária adquirir uma segunda concessão para o mesmo serviço, em área diferente, terá de devolver a primeira à União, em 18 meses.
Para permitir a fusão das teles, é preciso reduzir o número de áreas de concessão de três para duas por empresa, ou retirar a regra que impede uma concessionária de ter mais de uma concessão.
FOLHA - A Telefônica ou a Telmex não poderiam fazer uma proposta maior de preço e comprar as empresas? É possível mexer na regulamentação para viabilizar um negócio específico?
SUNDFELD - Para impedir a compra pela Telefônica ou pela Telmex, o governo teria que fundir as áreas de concessão da Brasil Telecom e da Telemar, e criar uma cláusula específica proibindo a venda da empresa resultante da fusão a grupos estrangeiros. Ou seja, o país teria apenas duas áreas de concessão de telefonia fixa local: o Estado de São Paulo e o resto do país.
A venda da Telemar ou da Brasil Telecom só seria autorizada para consolidar o plano de outorga. Isso foi feito após a privatização, o que garantiu a compra da Ceterp [que era uma operadora municipal de Ribeirão Preto] pela Telefônica e da CRT [do Rio Grande do Sul] pela Brasil Telecom.
FOLHA - Um arranjo desses não seria derrubado na Justiça?
SUNDFELD - A fragilidade está em o governo explicar a política pública que estaria por trás disso. Não consigo imaginar qual seria.
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