21.1.08

Artigo: Banda larga com competição ou concentração?


TELECO | Silvia Regina Barbuy Melchior

O ano de 2007 foi marcado por uma forte discussão de como se ampliar o acesso à banda larga. Tema debatido pelos operadores, governo, agência e poder legislativo sem que até hoje tenha se encontrado uma sistematização dos debates, uma clareza quanto a um projeto, fins e metas, ou definição clara de prioridades a serem alcançadas ao longo do tempo. Também não há discussão ampla e pública envolvendo a sociedade. Em discussões que perpassavam desde a criação de uma empresa nacional, empresa estatal, até a troca de obrigações em contratos de concessão, modificando o pacto original da desestatização, o fato é que se esqueceu de olhar a legislação, os agentes do processo e as motivações que levaram à desestatização para averiguar se já se trazia uma solução ou diagnóstico e quais seriam as falhas existentes a serem tratadas.



Expandir o uso da banda larga de forma consistente implica efetivamente adotar ferramentas que caminhem no sentido de ampliar a competição, especialmente na regulação das relações de atacado, e aplicar os recursos captados para esse fim por parte do governo onde não houver investimento privado, caso contrário as soluções serão, parciais, incompletas, temporárias e temerárias, restando ao consumidor poucas opções, além de ruins e caras, ainda que de modo temporário possa parecer inverso.



Essa assertiva não é novidade nem resulta de entendimento particular. Ela é clara, decorre de muito estudo, de um plano de país que veio sendo desenhado desde o início da década de 90, decorre de observação e experiências internacionais e está prevista em Lei, especificamente a Lei Geral de Telecomunicações (Lei nº 9.472/97) e na Exposição de Motivos (nº 231/MC) que a acompanhou e portanto a integra:



“Ela (sic. a reforma proposta pela Emenda Constitucional nº 8/95 e LGT) visa alterar profundamente o atual modelo brasileiro de telecomunicações, de forma que a exploração dos serviços passe da condição de monopólio à de competição e que o Estado passe da função de provedor para a de regulador dos serviços e indutor das forças de mercado, fazendo, ao mesmo tempo, com que o foco da regulamentação seja deslocado da estrutura de oferta de serviços, como era tradicional, para os consumidores desses serviços. Adicionalmente, pretende-se criar um ambiente de estabilidade regulatória que estimule investimentos no setor.”

A nova dinâmica setorial que então se pretendia estabelecer como elucidado na exposição de motivos está plasmada na Lei Geral de Telecomunicações que previu: direitos a usuários (os quais estão em grande parte regulados – planos de serviços, indicadores de qualidade, tarifas, direitos a informação, questionamentos de cobrança, portabilidade), a novos competidores (direitos esses que excetuada a interconexão - ainda pendem de tratamento regulatório adequado ou sua efetiva implementação como acesso às redes históricas, contratação de insumos – EILD, planos de numeração de serviços, aumento de novos competidores com realização de licitações e regras que garantam novos operadores, entre outros) e a aplicação de recursos obtidos com o FUST para universalizar serviços básicos.



Decorridos mais de 5 anos da privatização e apesar da clareza da Lei Geral de Telecomunicações no sentido de ampliar o mercado e aumentar as ofertas, nada havia ocorrido para o acesso fixo, os usuários insatisfeitos com as tarifas e qualidade dos serviços e os competidores estavam mergulhados em ações e denúncias de práticas predatórias por diversas vezes levadas à Anatel e Cade sem que resultasse em qualquer efeito prático. Frustrados, os consumidores e novos entrantes sensibilizaram o governo que promulgou o Decreto 4.733/03.



O Decreto procura trazer os indicativos mais concretos da política pública que deveriam ser disponibilizados ou levados a efeito pela Agência. De todas as suas proposições e propostas apenas a portabilidade foi a única que caminhou (embora não esteja ainda operacional possui ao menos um plano com cronograma) sem que nenhuma outra tivesse avançado ou sido implementada.



O fato é que o setor possui problemas graves. Dizer que tudo vai bem com telecomunicações porque se tem 120 milhões de aparelhos móveis e quase 60% da população tem acesso a algum meio de comunicação é no mínimo simplista e sem visão de futuro; é mostrar desconhecimento do potencial de produtividade que possui telecomunicação e fechar-se em uma concha sem ver o que ocorre no resto do mundo. Decorre mesmo de uma miopia que também não consegue ver que apesar do acesso móvel existir ele é essencialmente de natureza pré-paga com minutagem mensal ínfima, sem que se possa realmente dizer que as pessoas se comunicam pelo telefone móvel. O 3 G traz nova tecnologia porém ainda será um serviço caro para a grande massa dos usuários pré-pagos ou excluídos dos serviços fixos. Reduzido e cada vez menor é o acesso a telefone fixo. A banda ofertada está fortemente baseada em acesso discado, é cara, a velocidade baixa, a qualidade ruim.



Mas não só se verifica a inexistência de adequados instrumentos regulatórios como ainda se destaca a falta de adequada fiscalização e punição de situações de abuso de poder, bem como ágil avaliação da Anatel e Cade em processos de concentração que estão sendo levados a efeito no setor. A concentração que se verifica em terras alienígenas decorre antes de uma situação em que havia a pulverização de operadores e investimentos ocorrida após a desestatização ou privatização. Não é esse certamente o caso brasileiro. As poucas aquisições ocorridas partem de um mercado já altamente concentrado, monopolizado na maior parte das vezes e apenas se colocam como aquisições defensivas para garantir mercado.



Na certeza de que a inclusão social é fundamental para o país e o desenvolvimento da cidadania o primeiro passo seria uma análise do porquê esse ambiente favorável originalmente imaginado e descrito na Exposição de Motivos não fora atingido. Nessa análise fica evidente que instrumentos básicos para o acesso à uma rede existente e herdada por todos os operadores deveria ter sido garantida. Isso teria gerado, como gerou em outros países, certo nível de competição que então permitiria maior oferta e investimento inclusive em redes mais modernas (como fibra ótica).



Faltou gerar o ciclo virtuoso que somente se iniciaria com ferramentas básicas de promoção de um ambiente mais competitivo.



Muitas propostas podem ser apresentadas à sociedade para corrigir as distorções existentes. É preciso separar aquelas que encontram consistência daquelas que se apresentam como soluções milagrosas, como a criação de uma grande empresa monopólica nacional. Isso não funcionou no passado e tende a não funcionar no futuro.



Volta-se à lição constante da exposição de motivos que indicava que a regulamentação existente que se inseria num contexto monopolístico, já que somente o Estado prestava o serviço, foi radicalmente alterada para permitir o ambiente de competição. Isso está claro na página 9 da Exposição de Motivos:

“Para isso, é necessário que o arcabouço regulatório de telecomunicações evolua de modo a colocar o usuário em primeiro lugar; o usuário deverá ter liberdade de escolha e receber serviços de alta qualidade, a preços acessíveis. Isso somente será possível em ambiente que estimule a competição dinâmica, assegure a separação entre o organismo regulador e os operadores, e facilite a interconectividade e a interoperabilidade das redes. Tal ambiente permitirá ao consumidor a melhor escolha, por estimular a criação e o fluxo de informações colocadas à sua disposição por uma grande variedade de fornecedores. Ao mesmo tempo, as regras da competição deverão ser interpretadas e aplicadas tendo em vista a convergência das novas tecnologias e serviços, a liberalização do mercado, o estímulo aos novos fornecedores e a intensificação da concorrência internacional. Deverão também ser estimuladas as modalidades de cooperação entre prestadores de serviços que visem aumentar a sua eficiência econômica e o bem estar do consumidor, adotando-se, entretanto precauções contra o comportamento anticoncorrencial, particularmente o abuso de poder pelas empresas dominantes no mercado”.

A propalada criação de uma empresa de capital nacional, ou estatal às avessas, com ou sem direito de veto ao Governo, traz fantasmas do passado já que a mistura de relações privadas-públicas pode por exemplo trazer oscilação de investimentos. Lembra-se ainda que uma das grandes críticas ao sistema Telebrás foi a sua organização e disciplinamento pelos meios e não pelos fins alcançados, que, além de ineficazes, limitavam a flexibilidade operacional indispensável à atuação empresarial, particularmente em ambiente competitivo.



Mas a própria Exposição de Motivos indica que as duas razões apontadas não são, entretanto, as únicas: “Uma outra, de importância igual ou maior, deve ser citada: é a acomodação resultante do monopólio, da ausência de competição. A necessidade de conquistar e manter clientes, em ambiente de competição, funciona como poderoso estimulante à busca de soluções inovadoras para o melhor atendimento à demanda, para a redução de custos e para a melhoria da qualidade. Esse estímulo, as empresas estatais da área de telecomunicações não tiveram”. E completa-se que também não o terá uma empresa privada nacional monopolística.



Alterar a definição do modelo institucional do setor, um modelo que foi debatido desde início da década de 90, constou expressamente do programa de governo apresentado em 1994, gerou a Emenda Constitucional nº 8/95 e culminou com a Lei Geral de Telecomunicações, não pode ocorrer por Decreto. A simples revisão do Plano de Outorgas (que dependerá de proposta aprovada pelo Conselho Consultivo e Diretor da Anatel) sem estudos, previsão de expansão definição de metas, resultados e sem estar calcado em opções políticas devidamente justificadas, garantia de isonomia no processo de aquisição aos demais entes do mercado não terá o condão de alterar o modelo pois implicaria violação à Lei Geral e aos direitos daqueles outros concessionários e autorizados que investiram no modelo.



2008 é um ano que se inicia com grande possibilidade de mudanças. Esforços deveriam ser direcionados efetivamente ao aumento da competição e não na concentração injustificável de mercados que só beneficia interesses privados sem que traga também benefícios à coletividade. Muitos dos atos de concentração apresentados estão para serem avaliados pela Agência e Cade. Isso significa que a análise e eventual aprovação podem incluir compromissos para mitigar os impactos negativos na concorrência abrindo-se caminho para maior competição e eficiência dos agentes e garantindo inovação e investimento.



À Agência, por seu turno sai vitoriosa de 2007 quanto à manutenção do modelo de agência e apesar de todos os problemas setoriais o mercado reconhece que a Agência tem potencial para implementar e atuar na maior parte das soluções.



Portanto cabe a ela um papel fundamental dirigindo esforços para novas outorgas (especialmente na faixa de freqüência de 3,5 e 10,5, objeto de licitação frustrada para o WiMax, tv por assinatura por cabo, MMDS) garantindo a entrada de novos investidores, fiscalização rígida das concessionárias locais no relacionamento com outros operadores, implementação do modelo de custos, desagregação das redes em todas as modalidades, apenas para citar alguns.



É possível a retomada de um caminho que leve à expansão e diversificação dos serviços e a real expansão da oferta banda larga, mas medidas urgentes são necessárias e caminham do lado oposto ao do monopólio.



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